quinta-feira, novembro 11, 2010

Literatura: amor nada vago

A literatura brota onde se menos espera. É o que se pode dizer ao terminar uma primeira leitura de Amores Vagos, livro publicado pela editora Alternativa, coletânea de sete autores que um dia se conheceram numa oficina literária e depois seguiram seus próprios caminhos, publicaram e tornaram-se até certo ponto conhecidos. Esses mesmos autores encontraram-se mais de uma década depois e resolveram lançar um livro em conjunto. É essa a história desses Amores vagos. Tal decisão deve-se a um projeto em comum, ao qual deram o nome de “estilingues”. Isso mesmo, como o estilingue que no passado era feito a partir de uma forquilha e de um pedaço de borracha. Um artefato que lançava pedras. Só que o estilingue de Alexandre Brandão e de mais seis outras escritoras (isso mesmo, todas as outras são mulheres) serve para arremessar livros. Leiam-se os livros e os lancem adiante, assim a literatura circula sem os impedimentos existentes no Brasil quanto à sua comercialização e circulação. Há até uma página para cada leitor escrever seu nome, necessidade de saber por onde andam os filhos, ou, aliás, os livros, na verdade uma espécie de filhos. Não desejam perdê-los de vista.

Além do belo aspecto gráfico e do fino acabamento, como não poderia deixar de acontecer o pequeno volume traz quatorze narrativas, duas de cada autor, ou autora. A poesia comparece através de páginas em prosa, páginas requintadas, onde a palavra namora na fronteira do abismo.

Nilma Lacerda, no primeiro conto, apresenta uma menina que tem uma relação quase carnal com a leitura. A mãe, apesar da origem pobre, regala a filha com livros, a despeito da opinião contrária de outros parentes. No final, ante a desconfiança da uma tia idosa, a jovem leitora conclui: “que ingênua a minha mãe. Teolinda não, sabia dos riscos, sabia das coisas do corpo entre o livro e uma menina”.

Alexandre Brandão nos traz em “Dois lances do minúsculo amor” um homem dilacerado pelo amor não correspondido. Alguém capaz de se atirar a todos desvarios para reconquistar a mulher, ou mesmo esquecê-la: “O que me restou foi apenas aquela noite vasta e de escuridão imensurável. [...] Parei aqui, ali. Bebi até a morte. [...] Encontrei o chino. Joguei com o chino. Apostei até a alma. Perdi a alma.”

Em “Os olhos de Filipa”, Sonia Peçanha conta um episódio da infância de uma menina que se divide entre o amor por uma boneca e o esconderijo em que permanece alheia ao mundo circundante. Um incêndio, no entanto, muda-lhe o destino.

“Constelações”, de Vânia Osório, é constituído por três pequenas histórias, talvez as narrativas que mais se aproximam da poesia, destacando-se o texto “Eterna menina”, e “Noite feliz”; neste, há uma menina que se vê subitamente só no mundo, tendo como companheiro apenas seu cachorro, chamado Plutão.

Marilena Moraes adentra o universo da Internet, fazendo um personagem tímido adotar inúmeros disfarces por meio dos quais ele experimenta tudo que na vida “real” não teria coragem de experimentar. A questão principal é que no final, de tanto estar na pele dos outros, ele acaba por não saber mais quem é.

“Magnífica”, de Cristina Zarur, aborda a vida de um homem decadente que tem na paixão pela cachaça do mesmo nome o motivo que lhe resta para continuar vivo.

Miriam Mambrini, em “Um homem sem sentimentos” transita no mesmo universo de O homem sem qualidades, de Robert Musil, mas aqui criando um personagem frio, sem compaixão, cujo sentimento é despertado quando um pardal invade seu escritório e ele não tem coragem de esmagá-lo. A partir daí, tal qual um dependente químico às avessas, ele vai lamentar as oportunidades perdidas por se ter deixado vencer pelo seu lado sentimental.

A partir deste ponto, repetem-se os autores com mais uma narrativa cada um, todas tendo como motivo a temática de amores e desamores, não excluindo a perspectiva de um romance incestuoso, nem da mulher que adota a prostituição como meio de dar mais conforto à própria mãe. Não falta o tom rodriguiano, em “Quinze”, de Miriam Mambrini, quando uma mulher confessa, no fim da vida, que o único filho do casal era de outro homem, sendo prontamente perdoada pelo marido, porque este já sabia

Pergunta-se muitas vezes o que caracteriza a literatura. E em tantas outras vezes temos dificuldade de responder. O que se pode deduzir deste simpático livro é que a literatura está no constante esforço dos autores em escrever e reescrever suas histórias tentando voos lingüísticos como os que vão a seguir: “O tapa escuro da noite recebe-o na calçada” (Sônia Peçanha), “a vida tomada pelo verso, lambida pelo verso, cada palavra tomada a sal e pimenta” (Nilma Lacerda), “Não vale a pena sair de um sonho de amor, convenço-me”, (Alexandre Brandão), “Como poeta chegou perto, tão perto que, a exemplo de Ícaro, quase sucumbiu ao calor da poesia” (Vânia Osório), “Quem sabe alguém me acessa numa conexão banda larga? Teria prazer em ser plugado a qualquer hora, de passear por aí como link, viajar numa rede wi-fi, encontrar outro byte perdido, entrar com estilo em alguma formatação de vida” (Marilena Moraes), “o que é belo passa rápido. A beleza se consome em fogos de artifício” (Cristina Zarur), “Fera, meu amigo, estou fudido” (Miriam Mambrini).

Amores Vagos

Alexandre Brandão, Cristina Zarur, Marilena Moraes, Miriam Mambrini, Nilma Lacerda, Sônia Peçanha, Vânia Cardoso.

Ed. Alternativa, 142 páginas

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